Direito do Trabalho em tempos de Covid-19
- Baptista Advocacia
- 27 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
A variação do coronavírus COVID-19 tem imposto uma nova realidade mundial de combate à pandemia. Nesse cenário, muitas empresas se veem obrigadas a interromper suas atividades, com a finalidade de evitar a propagação do vírus. Assim, tanto por parte do empregado quanto por parte do empregador, surgem incertezas. Empresas questionam-se sobre como realizarão o seu sustento diante da brusca interrupção dos lucros e empregados temem ficar sem seus salários. Para evitar a demissão sem justa causa, surgem algumas possibilidades, que passaremos a abordar no presente artigo.
1. FÉRIAS COLETIVAS E INDIVIDUAIS
A antecipação de férias individuais ou concessão de férias coletivas é uma medida que tende a ser aplicada pelos empregadores, visto que se recorre a um direito já existente do trabalhador. Ou seja, o empregado inevitavelmente já teria direito ao gozo de suas férias, as quais seriam apenas realocadas para período de quarentena. Assim, o empregador consegue alinhar uma necessidade imposta pela realidade da COVID-19 a uma realidade do próprio contrato de trabalho já existente.
A regra da CLT é que o empregador deverá comunicar as férias ao trabalhador com 30 dias de antecedência. Porém, a recente Medida Provisória 927/2020 permite que, enquanto durar o estado de calamidade pública, a comunicação prévia seja de no mínimo 48h. Ainda, a mesma Medida Provisória isenta, durante o período de calamidade pública, que haja comunicação prévia do Ministério da Economia e dos sindicatos para concessão de férias coletivas.
2. BANCO DE HORAS
Prevê o §2º da CLT que a compensação de horas possa ser feita sem acréscimo salarial, o que deve acontecer segundo algumas regras. Quando disciplinada por acordo ou convenção coletiva de trabalho, a compensação deve ser feita no máximo em 2h diárias no limite de 10 horas trabalhadas por dia, de forma que a compensação de horas não trabalhadas em certa data ocorra no máximo por seis meses subsequentes. É possível, segundo a CLT, que o banco de horas se dê por acordo individual, conquanto a compensação ocorra dentro do mesmo mês. O que muda em tempos de COVID-19? Segundo a MP 927/2020, as horas poderão ser compensadas no período de 18 meses, seja disciplinada por acordo ou convenção de coletiva ou por acordo individual.
3. TELETRABALHO
O teletrabalho é regido pelo art. 75-A da CLT. Ele pode ser ajustado por contrato individual, não estando sujeito à intervenção do sindicato. O art. 75-C da CLT prevê que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente no contrato individual de trabalho, o qual especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. O §1º deste mesmo artigo prevê que poderá haver alterações do regime de trabalho presencial para teletrabalho, desde que haja um acordo mútuo entre as partes, devendo-se respeitar um período de transição de 15 dias.
Algumas mudanças, contudo, ocorrem durante esse período de COVID-19. Segundo a Medida Provisória 927/2020, durante o período de calamidade pública, o empregador poderá a seu critério alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, independentemente de haver acordo individual ou coletivo. O empregador deverá comunicar o funcionário com 48h de antecedência. A medida provisória não fala expressamente sobre o período de transição de 15 dias previstos pela CLT, mas é aprazível por meio de uma interpretação sistemática da norma concluir que, durante o período de calamidade pública, tal exigência fica dispensada.
E como fica a questão dos equipamentos necessários para que o empregado exerça seu ofício via home office? O art. 75-D da CLT prevê que a aquisição de infraestrutura para realização de teletrabalho, bem como reembolso de despesas que o trabalhador venha a ter, serão previstas em contrato por escrito. Tais equipamentos não integrarão sob hipótese alguma a remuneração de empregador. A Medida Provisória 927/2020 segue mesma orientação da CLT, porém, prevendo prazo de 30 dias para realização de tal contrato por escrito. A referida medida provisória ainda entende a possibilidade de teletrabalho para os estagiários e menores aprendizes.
4. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PARA CURSO DE QUALIFICAÇÃO
Prevê o art. 467-A da CLT que o contrato de trabalho poderá ser suspenso por um período de dois dias a cinco meses para participação do empregado em curso de qualificação, mediante previsão em acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do trabalhador. O empregador deverá notificar o sindicato com antecedência de 15 dias. É possível apenas uma suspensão a cada 16 meses. O empregador poderá conceder ajuda mensal de custo ao empregado, sendo que tal valor não terá natureza salarial, mas sim indenizatória.
Os benefícios que o empregador concede voluntariamente a sus empregados, como por exemplo plano de saúde, permanecem mantidos durante o período de suspensão contratual. Caso o empregado seja demitido durante ou em até 3 meses subsequentes à suspensão, o empregador pagará ao empregado multa estabelecida em convenção ou acordo coletivo de trabalho, que não deverá ser menor a 100% do valor do ultimo salário antes da suspensão. A suspensão poderá durar de 2 a 5 meses, ou período maior caso o empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação do profissional.
A Medida provisória 927/2020 cita o direcionamento do trabalhador para qualificação. Porém, as previsões específicas sobre o tema trazidas pela Medida Provisória 927/2020 foram revogadas pela Medida Provisória 928/2020. Assim, quem quiser aderir a esta opção para afastamento do trabalhador do local de trabalho, deverá seguir o regramento da CLT.
Porém, vale mencionar que o art. 3º da Medida Provisória 927/2020 menciona que “poderão ser adotadas pelo empregador, dentre outras, as seguintes medidas... o direcionamento do empregador para qualificação”. Isso pode nos levar a deduzir que o referido dispositivo poderia significar a suspensão da necessidade de anuência do trabalhador ou mesmo de acordo ou convenção coletiva de trabalho, cabendo a vontade unilateral do empregador (conquanto forneça o curso). A prática, todavia, é temerária, podendo ser passível de questionamento judicial posteriormente. Assim, a recomendação é que, quanto ao direcionamento do empregador para qualificação, sigam-se as disposições previstas no regime da CLT.
5. REDUÇÃO SALARIAL
Conforme o art. 7, inciso VI da Constituição Federal é possível a redução salarial por acordo coletivo de trabalho – e somente por esta forma. Vejamos o texto de lei: “art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam a melhoria da sua condição social: (...) VI. Irredutibilidade salarial, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho”.
Ainda encontramos em nosso ordenamento os seguintes dispositivos sobre o tema:
· Lei nº 4.923/65: Prevê a possibilidade de redução de até 25% do salário em situação de comprovada necessidade.
· Art. 501 da CLT c/c (cumulado com) art. 503 da CLT: Prevê o art. 501 a situação de força maior nos contratos de trabalho. Já o art. 503 prevê que, nas hipóteses do art. 501 (força maior), será possível a redução do salário em 25%.
No parágrafo único do art. 1º da Medida Provisória 927/2020, é previsto que, durante o estado de calamidade vivenciado, é configurada uma situação de força maior conforme prevista no art. 501 da CLT. Tal dispositivo da Medida Provisória tem levado muitos a acreditar que aplicável o art. 503 da CLT de forma automática, permitindo uma redução salarial de 25% do salário sem que haja acordo ou convenção coletiva de trabalho disciplinando o tema.
Não obstante, é preciso muito cuidado. Devemos lembrar que os artigos 501 e 503 da CLT são anteriores à Constituição Federal. Ainda não se pode olvidar que a Constituição da República é nossa Lei Maior, estando acima de todas as outras leis pátrias (simplificadamente abordando). Assim, um artigo de Lei Federal que venha a confrontá-la torna-se uma previsão inconstitucional, e que, portanto, não merece ser aplicada.
A Constituição é clara em determinar que apenas em caso de acordo ou convenção coletiva de trabalho é que será possível ao empregador realizar a redução salarial do empregado. Nesse sentido, a recomendação é que os empregadores sigam à risca a previsão constitucional, a fim de evitar posteriores reclamatórias trabalhistas.

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